Terminei hoje um trabalho com a Amarelo Silvestre, a companhia de teatro da Rafaela Santos e do Fernando Giestas sediada em Canas de Senhorim. “Mina” foi um dos trabalhos mais bonitos que já fiz; por causa das pessoas: a Rafaela, o Fernando, a Paula, a Sofia, o Edi, o Paulo, a Carolina, a Ana Bento, e as cerca de 30 pessoas da comunidade de Canas e Urgeiriça que participaram no espectáculo; mas também por causa do sítio: um lugar pequeno, mas de horizontes larguíssimos, onde trabalhámos em espaços improvisados, em condições não ideais, ao relento, de guarda-chuva em riste, de aquecedores a gás a tentar combater o sopro da Serra da Estrela, com termos cheios de chá, dupla meia a aquecer os pés. Dependíamos muito uns dos outros: boleias, horários apertados de fecho das lojas, hora de comer, hora de dormir, mãos para montar estruturas cenográficas, coisas emprestadas – tecidos da fábrica de estofos, roupas para actores desproporcionados, tachos, guitarras, muito gengibre para aguentar as gripes, empresta-me arroz, vai roubar um limão à árvore. Nos centros urbanos ninguém depende de ninguém, dependemos todos de uma máquina invisível que nos vende legumes no mesmo sítio onde podemos comprar óleo para motores a dois tempos, que nos serve um hambúrguer a qualquer hora do dia ou da noite, e que nos oferece agendas culturais riquíssimas. Mas parece sempre que nos falta qualquer coisa, mesmo quando temos quase tudo. Respeito muito e admiro o projecto da Rafaela e do Fernando. A difícil renúncia à centralização paga-se com isolamento e com ginásticas logísticas e orçamentais muito orgânicas e difíceis. Mas a sensação de dependermos uns dos outros é impagável: mesmo quando temos muito pouco, parece que nunca falta quase nada. 5 de Dezembro de 2016 |
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Ricardo Vaz TrindadeCoimbra, 1978. Actor e encenador. Licenciado em Arquitectura. Fez formação em teatro no CITAC e na ESTC. Como intérprete destaca os trabalhos com Nuno Cardoso, David Pereira Bastos, André Braga e Madalena Victorino, Paulo Castro, John Frey e a companhia marionet. Encenou o TEUC por três vezes e fundou o colectivo Esticalimogama com o actor Paulo Lima e a pianista Joana Gama e recentemente o Teatro Toitoi. Arquivo
March 2017
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